A empresa da estudante de medicina Izabelle Fontenelle, noiva do prefeito de Manaus (AM) e candidato à reeleição, David Almeida (Avante), recebeu cerca de R$ 1 milhão de empresários fornecedores da prefeitura, segundo documentos obtidos pelo UOL.
Os pagamentos foram feitos por agências de publicidade à Skyline Produções Ltda, empresa de Izabelle, entre setembro de 2022 e abril de 2024. A firma dela foi criada em 2021.
A Skyline declarou ter prestado serviços publicitários, como aluguel de equipamentos, diárias de estúdio, contratação de figurantes, locução, captação de imagens, produção, edição e finalização de vídeo, entre outros, aos empresários que receberam verba municipal.
Procurado, David Almeida disse que sua noiva não tem vínculo com a prefeitura e que os pagamentos são “atividade legal dentro das regras”.
Os documentos mostram que a firma de Izabelle recebeu R$ 873,8 mil da DNA Digital Comunicação Ltda, R$ 120 mil da The Set Filmes (ou D7 Filmes), R$ 20 mil da Banzeiro Comunicações Ltda e R$ 15 mil da Agência de Interatividade e Marketing.
A DNA Digital Comunicação e a The Set Filmes têm um sócio em comum, João Marcos Resende Marques. A The Set recebeu R$ 2,67 milhões da prefeitura entre 2023 e 2024, subcontratada por duas firmas de publicidade que têm contratos com a administração municipal, a Thera Publicidade e a Mene Portella.
Mesmo sem ter um contrato direto com a prefeitura, o nome da D7 Filmes (hoje The Set), produtora de João Marcos Resende Marques, consta na descrição dos pagamentos do Portal de Transparência da prefeitura, assim como os de outras firmas subcontratadas.
A Banzeiro Comunicações, outra empresa que remunerou a Skyline, recebeu pelo menos R$ 260 mil através do contrato da administração municipal com a Mene Portella.
Já a Agência de Interatividade e Marketing, que repassou R$ 15 mil à noiva do prefeito em setembro de 2022, recebeu R$ 27 milhões da prefeitura entre 2022 e 2024. A empresa tem contrato com a prefeitura para fornecer serviços de comunicação digital.
Em agosto, o Estadão revelou que a Skyline estava recebendo pagamentos de outra fornecedora da prefeitura, a Rio Piorini, assim como da The Set Filmes. Nos documentos obtidos pelo UOL, é possível saber que os pagamentos chegam a pelo menos R$ 1 milhão.
David Almeida é o favorito na eleição de Manaus, segundo a última pesquisa Quaest. Ele disputa contra Amom Mandel (Cidadania), Roberto Cidade (União), Capitão Alberto Neto (PL) e Marcelo Ramos (PT).
O prefeito negou, ao UOL, que haja qualquer irregularidade. “Ela não trabalha com a prefeitura. Nem para a prefeitura. Sem vínculo. Presta serviços, para iniciativa privada. Sem nexo com o poder municipal. Atividade legal dentro das regras”. Disse que Izabelle presta serviços desde 2021 e se conheceram em 2022, e negou que tenha influenciado em sua contratação pelas empresas.
Dos pagamentos citados acima, apenas R$ 25 mil ocorreram no final de 2022. Os demais valores foram repassados entre 2023 e 2024.
A Skyline foi procurada por email e por mensagem, mas não respondeu. Os outros empresários das agências de publicidade citadas também não retornaram ao contato do UOL.
Especialistas ouvidos pelo UOL apontam que é preciso verificar se os serviços foram prestados e, caso tenham sido, se estavam realmente fora do escopo da contratação com a prefeitura, já que é vedada a subcontratação de cônjuges ou companheiros de gestores públicos.
“É preciso investigar se não houve um sobrepreço nos contratos com a prefeitura repassado para a empresa da noiva do prefeito”, diz Vitor Schirato, professor de direito administrativo da USP (Universidade de São Paulo). “Tem orelha de gato, focinho de gato, olho de gato, orelha de gato. Se não é um gato, precisa ter uma explicação clara.”
“Qual é a substância de prestação de serviços dessa empresa da noiva do prefeito para as empresas contratadas pela prefeitura? Qual o vínculo? Quais serviços foram prestados?”, questiona.
Guilherme Corona, advogado e doutor em direito administrativo pela PUC-SP, aponta também que, se houver uma subcontratação da empresa da noiva do prefeito para prestar parcela do serviço à prefeitura, isso é irregular.
“A lei de licitações veda e pode configurar ato de improbidade administrativa e um crime da lei de licitações”, afirma.
“Mesmo que não seja um serviço relativo ao contrato público da licitação, é preciso evidenciar que prestou o serviço, porque, se não, isso configura falsidade ideológica da emissão da nota fiscal.”